sexta-feira, 27 de junho de 2008

Discurso de Eduardo Vitor Rodrigues

Agradeço ao Dr. Eduardo Vitor Rodrigues o facto de me ter enviado o discurso que fez.
Intervenção na Assembleia Municipal de 26/06/2008
Exmos. Senhores,
Comunico-vos que, dado o incumprimento dos protocolos assinados por esta
Câmara com a Junta de Oliveira do Douro, os funcionários da Junta a que eu presido
não receberam ainda este mês o subsídio de férias, como é prática e de lei para os
funcionários da administração local.
Gostaria de não ter que o dizer aqui, para não deixar mais um momento negro
desta gestão nas actas deste órgão. Mas parece que alguns já perderam totalmente a
vergonha; tudo vale para um projecto de esmagamento e de ostracização políticopartidárias
sem limites. De tudo isto dei conta antecipadamente ao senhor Presidente
da Câmara, através de 3 ofícios.
Há 16 meses que as Juntas do PS não recebem os duodécimos que lhes são
devidos, numa atitude de discriminação e de coacção política da Câmara contra as
Juntas eleitas pelo PS. A situação tornou-se um precedente sem explicação racional,
apenas atenuada pela assinatura de pequenos protocolos de sobrevivência, que até
agora têm vigorado. Foi assim que assinamos em início de Abril um protocolo de
comparticipação financeira, em que a Câmara se obrigava a transferir para a Junta de
Oliveira do Douro o total de 153.662 euros. Até ao momento recebemos zero, quando
deveríamos ter já recebido 76.831 euros.
A situação afinou-se, no entanto. Este ano, alterando a decisão de não pagar às
Juntas do PS, a Câmara parece ter optado por, até agora, não pagar apenas à Junta de
Oliveira do Douro, circunstancialmente liderada pelo Presidente do PS-Gaia. No
entanto, a Junta de Oliveira do Douro tem vindo, com grande denodo, a garantir a
realização das responsabilidades protocoladas, desde a limpeza de arruamentos, à
manutenção de jardins ou ao funcionamento do Centro de Convívio da Terceira Idade. O
objecto do protocolo assinado com a Junta de Oliveira do Douro é claro: construção de
passeios em vias urbanas, manutenção e funcionamento dos equipamentos sociais e
educacionais e aquisição de diverso material pedagógico para o ATL, manutenção de
espaços escolares, requalificação e ampliação do cemitério, manutenção de jardins e
construção de uma horta comunitária. Estas obrigações seriam materializadas com
recurso a pessoal do quadro, quando possível, estando para tal afecta uma verba de
67.500 euros. É facilmente comprovável que temos executado estas tarefas muito para
além do previsto.
Sabe-se que a Câmara vive uma situação financeira agonizante, mas tem que
haver prioridades e critérios de equidade.
Ora, volvido meio ano de 2008, não recebemos um cêntimo, nem parece haver
perspectivas de tal acontecer, tendo aos demais colegas Presidentes de Junta do PS
excluídos dos duodécimos sido pago apenas uma fatia ínfima, na ordem dos 20.000
euros, muito aquém do previsto e do necessário.
Esta situação é repugnante e roça a xenofobia política, não contra os autarcas,
mas contra as populações e agora contra os funcionários. Repito: os funcionários da
Junta, alguns aqui presentes não receberam o subsídio de férias que lhes é devido. Não
por má gestão, nem por esquecimento. Mas porque a Câmara não paga cirurgicamente
à Junta de Oliveira do Douro e paga umas migalhas às demais Juntas do PS excluídas dos
duodécimos. A mesma Câmara que é presidida pelo político que há uns meses atrás,
quando era líder nacional do PSD, atacava o Estado por não pagar atempadamente os
seus compromissos.
A esta situação inusitada seguir-se-á o encerramento do Centro da Terceira
Idade e do Projecto de Atl nas escolas primárias, que só existe em Oliveira do Douro.
Essa marca do PSD em Oliveira do Douro vai ser perene e as suas consequências ainda
não estão definidas. Não há razões sérias para que o PSD e a Câmara promovam esta
atitude contra a JFOD.
Esta situação permite questionar o papel dos Presidentes de Junta no poder
local. Permite também questionar o papel do poder local e dos instrumentos de
descentralização. Mas inaugura uma nova forma de poder local, onde o partido
prevalece nos critérios de apoio às Juntas, rompendo com a dimensão institucional,
fulcral nos Estados de Direito.
Alguns acham que isto resulta do facto do PS fazer oposição em Gaia. Agradeço o
elogio e registo o argumento. Mas esses mesmos são aqueles que não viram nenhuma
incompatibilidade no facto do líder da Câmara de Gaia ser simultaneamente líder da
Concelhia do PSD, Presidente do PSD nacional e candidato a primeiro-ministro. Percebese
a diferença. O PS não tem estas práticas de chantagem e de coacção e manteve a
relação institucional com a Câmara, apesar dos brutais ataques que o Governo recebeu
do Dr. Menezes. Não consta que Gaia tenha sido prejudicada por esse facto. Ao invés, o
Dr. Menezes precisou de 2 horas para explicar ao Primeiro-Ministro que fez uma luta
dura, mas que era a vida política. Em Gaia, o mesmo dr. Menezes pretende impedir que
alguém discorde do seu rumo.
É, pois, inconcebível que a Câmara tente amordaçar e bloquear uma Junta de
Freguesia com mais de 30.000 habitantes, só com o intuito de exterminar o PS-Gaia.
O Dr. Jardim pode comparar José Sócrates a Robert Mugabe ou intitular os
deputados da Nação de elites fascizantes de Lisboa. Tudo se passa ao nível da política,
mantendo o respeito institucional. Em Gaia, há umas florzinhas que não estavam
habituadas a serem sopradas e que embirram com aqueles que as incomodam, indo ao
ponto mais baixo da vida política.
Para citar um excelso político da nossa praça, só se atiram pedras às árvores que
têm fruto! Isso dá-me alento para continuar. Nas grandes lutas só se massacraram os
grandes líderes. E a História mostra que nem a prisão serviu para evitar o normal curso
da História: o bem prevalece sempre sobre o mal.
O PS tem legitimidade para pregar moral. Quando em 1996 se gerou o combate
político contra a construção do Aterro de Sermonde, assistimos às formas mais radicais
de contestação, que passaram por agressões físicas, insultos, carros vandalizados, etc.
Nessa altura, o alvo era o poder municipal socialista e a contestação partia de juntas do
PSD. Nunca nessa altura se pôs esta hipótese de retaliação, nunca se chegou ao ponto
de promover vingança contra essas Juntas ou de esmagar ninguém. Fez-se combate
político, tomaram-se decisões, mas num clima de respeito institucional que, penso,
todos se recordarão.
É verdade que a CMG nunca mostra respeito pelos PJ…
Não mostra respeito pelos Presidentes de Junta quando decidiu unilateralmente
extinguir a taxa de acessos, depois de ter usado os PJ para legitimar a medida, sem lhes
dar o mínimo de satisfação.
Não mostra respeito pelos Presidentes de Junta quando nomeou uma comissão
de acompanhamento para o processo da Escarpa e ignorou o presidente de Junta de
Santa Marinha (já nem falo de Oliveira do Douro).
Não mostra respeito pelos Presidentes de Junta quando decidiu reunir sobre a
versão semi-final do PDM e fez duas reuniões, uma com os Presidentes de Junta
socialista e outra com os demais, como se houvesse um PDM rosa e um PDM laranja.
Não mostra respeito pelos Presidentes de Junta quando convidou 24 Presidentes
de Junta para o jantar de preparação do Plano e Orçamento de 2008 e a seguir disse ter
havido engano administrativo no convite aos PJ do PS.
Não mostra respeito pelos PJ quando estes pedem uma reunião, enviam ofícios,
mandam faxes, e não recebem nenhuma resposta.
Não mostra respeito pelos Presidentes de Junta quando decidiu criar um Fundo
Imobiliário do qual nunca mais se ouviu falar, apesar de todos os desenvolvimentos
havidos.
Não mostra respeito pelos Presidentes de Junta em muitos e humilhantes e
negros momentos da gestão municipal, sempre com a dolorosa passividade dos colegas
que assistem impotentes a tudo isto. Mas não se constava que chegasse a isto, tão longe
e tão baixo. Todos ficaremos ligados a este triste mandato, uns por acção, outros por
vitimação, outros por omissão.
A postura política de quem concorda com esta situação em Gaia assemelha-se ao
comportamento do agricultor descuidado face aos frutos silvestres.
Quando plantou, começou logo a ver como negociar o fruto, mas não o fez por
não saber. Quando o fruto esteve verde, pensou em regá-lo, mas não o fez por desleixo.
Quando o fruto esteve robusto, pensou em comê-lo, mas estava afrontado e não o fez
por ócio. Quando o fruto ficou excessivamente maduro, pensou em fazer compota, mas
não o fez por preguiça.
Quando o fruto já estava apodrecido, pensou em congelá-lo. É como corre o
risco de ficar este modelo de gestão em Gaia. Podre, mas congelado, e assim com boa
aparência e à primeira vista robusto. A maior parte não quer perceber que o fruto está
viçoso e duro, mas apenas graças ao gelo.
Descongelando, e não faltará muito, ficará esborrachado na mão, incomestível,
escorrendo putrefacto entre os dedos. Já não dá sequer para meter em aguardente.
Será essa a altura em que muitos daqueles que veneraram a coisa vão desatar
aos gritos uns com os outros, tentando perceber quem deveria ter regado a planta,
colhido o fruto ou tratado da sua venda atempada.
Todos a berrar, mas o fruto, esse, esborrachado e sem servir para compota, vai
ser atirado ao mato, sem lembrança nem glória, trocado por outro no mesmo minuto. E
assim se fará a História.
Perante a nova estação e a nova colheita, não haverá dúvidas. Vivas à nova
colheita, sim, porque isso das ideias, para alguns, pode sempre moldar-se. O importante
será ter uma sombra e a barriguinha cheia. Não importa o passado, não importam as
ideias.
Qual Calisto Elói, argumentarão: haverá alguma ideia que floresça em estômago
vazio? Seguramente que não. Por isso, na verdade, esses saltos de um lado para o outro
não são mais do que ajustamentos estratégicos, movidos, veja-se lá bem, pelas ideias.
Enfim, não directamente pelas ideias, mas porque essas vêm do estômago, finalmente
pelas ideias.
Aqueles que outrora defenderam umas ideias, defenderão outras com a mesma
vivacidade. Não se trata de mudar de posição. Não. A posição é a mesma. À sombrinha e
a apanhar ar fresco, a resguardo das turbulências que só a democracia permite. Não
mudam de posição. Mudam é de fruto, para que a posição seja a mesma. É no fundo o
paradigma da coerência, segundo o qual as ideias são importantes, mas como elas vêm
do estômago, o importante mesmo é garantir o estômago cheiinho.
E num país onde as letras proliferam, não faltará imaginação para um argumento
que tudo isto venha a justificar.
Mas com esta situação causada a Oliveira do Douro, impedindo o pagamento do
subsídio de férias, a Câmara está a ir longe demais e a jogar com quem não se deve. Já
não se trata de brincar à política e aos políticos. Sabendo que contra esses nada podem
(porque não dependo deles, nem me alimento à sua mesa, que não me podem comprar,
nem tenho pontas por onde me peguem, logo contra mim nada podem), não se
importam com os estilhaços junto de famílias de trabalhadores, que recebem ordenados
humildes, nada comparados com os milionários pagamentos de cortes de assessores.
Tudo serve, sem critérios nem limites, movidos pela ferocidade do animal cego que
esperneia loucamente, enquanto tem força, sem cuidar de ver se está a ferir a multidão
e não a ferir o gladiador.
Para a Câmara não conta a vida dos outros, não conta o ordenado de quem
trabalha, nada conta quando comparado com o instinto de coacção, de vingança e de
ajuste de contas contra um inimigo político. Falham no alvo, mas isso parece não os
incomodar.
Mas, como ao animal feroz no ringue, um dia faltarão as forças. E nessa altura vai
ser difícil conter as multidões sedentas de justiça, a usufruir do momento por que
aguardaram e pelo qual tanto sofreram.
Temos a obrigação de honrar o poder local, essa grande conquista de Abril. Em
Gaia, o poder local não evolui, está estagnado, amordaçado, instrumentalizado, tem
sido alvo de investidas de populismo, de derivas pessoalistas e de busca desenfreada de
mordomias. Este poder local não o quis Abril.
Esta situação tem de mudar. O PS tomará a iniciativa política de agendar, caso a
situação se mantenha, uma moção de censura ao executivo municipal, usando um
instrumento que nunca foi usado no poder municipal gaiense. Lamentavelmente,
chegamos a este ponto. Fazemo-lo não em nome da política, mas em nome da
necessidade de respeito pela dignidade do exercício dos cargos políticos de freguesia e
pela dignidade dos trabalhadores.
Enquanto isso, cada um seguirá o seu caminho e assumirá as suas opções. Pela
minha parte, continuarei convencido que a política é a mais nobre arte da dialéctica das
ideias, denunciando o que acho ser passível de censura, assumindo um projecto
diferente e mantendo a força e a coragem para as lutas autárquicas que se avizinham.
Aliás, hoje de forma mais convicta e empenhada do que ontem. Podem bem contar
comigo.
Pedras que me lançam e que me colocam no caminho? Inspirado em Fernando
Pessoa, guardo-as todas, um dia vou construir um castelo...
Muito obrigado.
Eduardo Vítor Rodrigues

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